Séculos passam, mudanças de paradigmas em um esporte dominado por homens ocorre e mulheres conquistam seu espaço no golfe.
Júlia Regla
O esporte que possui em sua história muitos triunfos, mas também a dominação e protagonismo dos homens, começa a ver em posição de destaque a conquista das mulheres no início do século XX. Se o Golfe feminino está crescendo e conquistando seu espaço, isso se deve a união de golfistas que, desde o início da modalidade, lutaram pela mudança de paradigmas, prepararam o terreno para as que viriam no futuro e moldaram o atual jogo de golfe.
A década de 1950 é marcada pela fundação do Ladies Professional Golf Association (LPGA), nos Estados Unidos. O órgão oficial de gestão do golfe feminino foi formado por 13 jogadoras - entre elas, Patty Berg e Babe Zaharias, as primeiras mulheres a ganharem destaque em manchetes de jornais. Consideradas lendas do golfe feminino devido ao sucesso que fizeram, Berg teve 63 vitórias profissionais, incluindo 15 campeonatos em grandes torneios, já Zaharias contém em seu currículo dez títulos do campeonato Major LPGA e 82 vitórias em torneios, além de ter sido uma das poucas mulheres a competir em um torneio com os homens. Anos mais tarde, na década de 1980, Kathy Whitworth quebra recordes ao tornar-se a maior vencedora do torneio LPGA entre homens e mulheres após conquistar sua 88ª vitória, e também passa a ser a golfista com a maior receita - mais de $1 milhão.
História do esporte
Rebate em uma pequena bola. Auxílio de um taco. O buraco em um campo. Três itens capazes de descrever o esporte que surgiu na Escócia durante o século XV, o golfe. Não aceito em seu início, veio a ser liberado durante o reinado de James IV e rapidamente popularizado entre a realeza. Na Inglaterra, o esporte chegou sob o pedido do Rei Charles I, e, na França, após a ida da Rainha da Escócia, Maria I, ao país. Jogadora ávida, foi durante o seu período no trono escocês que o lendário campo de golfe St. Andrews foi construído, em 1570. No mesmo local, em 1754, os praticantes criaram a Society of St. Andrews Golfers, que anos mais tarde foi nomeado pelo Rei William IV, da Inglaterra, como Royal & Ancient Golf Club of St. Andrews.
Estabelecidas pelos membros do Gentlemen Golfers of Leith, as regras do golfe foram criadas na metade do século XVIII em Leith, cidade próxima da capital da Escócia. Com regras definidas, no século seguinte, aconteceu o primeiro campeonato intitulado The Open. Sendo exclusivo para homens, as mulheres, que na época já somavam em torno de 200 mil golfistas, se indignaram com a exclusão e criaram o Ladies´ Golf Union, estabelecido em St. Andrews, além do campeonato The Amateur Championship. Outra conquista das golfistas aconteceu no final do mesmo século, quando o campo de golfe Shinnaecock Hills Golf Club, nos Estados Unidos, se tornou o primeiro a abrir suas portas para elas. No final do século XIX, a modalidade chega ao Brasil através de imigrantes britânicos e, atualmente, possui milhares de praticantes – mesmo não sendo um esporte popular no país.
“Não somos sexo frágil e podemos jogar golfe”
O esporte pode ser uma profissão, mas também uma válvula de escape, alicerce para o cuidado da saúde física e mental, e oportunidade de conexões internas. E foi isso que a empreendedora na área de saúde holística, Pamella Rupp, de 37 anos, encontrou ao começar a praticar o golfe, modalidade que passou a fazer parte de sua história durante a época em que morou nos Estados Unidos.

Jogo parado, difícil, elitizado e pouca curiosidade em praticá-lo. É assim que a paulistana definia o golfe até o dia que, ao encontrar um programa gratuito com foco em mulheres golfistas, viu despertar em si um interesse na modalidade até então desconhecida. “Fiquei encantada pois é um esporte muito prazeroso. É uma delícia poder estar no meio da natureza, ter um tempinho para fugir da ´selva de pedras´ que é São Paulo e desconectar um pouco do mundo”, enfatiza Pamella que, atualmente, tem o golfe como uma terapia e encontrou no esporte novas amizades. “Mulheres de vários nichos diferentes, idades variadas. É muito bom poder encontrá-las e conversar sobre a vida ao mesmo tempo que a gente joga, dá risadas e toma um vinho”, comenta.
Pouco disseminado e praticado no Brasil, o golfe se torna ainda menos comentado e valorizado quando é o feminino – como na maioria das modalidades esportivas. Uma pesquisa realizada em 2023 pela Nike e Dove aponta que 34% de meninas brasileiras abandonam o esporte por razões que vão desde o sentimento de objetificação com o próprio corpo à desvalorização como atletas. E foi com a proposta de se tornar um lugar acolhedor para as mulheres golfistas e oferecer a elas oportunidades dentro do esporte que, em 2022, Eduardo Pacheco, do Instituto Chaves e Associação Hurra, fundou na capital paulista o Mulheres & Golfe. Já passaram pelo programa cerca de 400 mulheres com faixa etária entre 30 e 50 anos, funcionando em ciclos de dois meses, com sete turmas e um total de 84 alunas. “O conjunto de oito aulas gratuitas acontecem semanalmente, durante uma hora, em grupos de 12 participantes. Elas têm aulas da parte técnica e depois aulas em campo para possuírem as duas técnicas de finalização do jogo. Além disso, há o evento de certificação, com competições e uma celebração envolvendo todas as alunas do ciclo”, comenta a capitã do Mulheres & Golfe, Patrícia Tavares, que ao lado de Karen Schneider, conduz o programa que incentiva as alunas a seguirem no esporte através de um pós-curso - que possui cronograma de atividades e encontros, saídas para o campo e torneios.
Apesar da incontestável evolução que o golfe teve para as mulheres entre o século XV e XXI, ainda deve haver abertura de muitos caminhos - e mentes. “Precisamos que seja disseminado com mais força que nós, mulheres, não somos sexo frágil e podemos jogar golfe tão bem quanto os homens. E é jogando e praticando que vamos conseguir conquistar o nosso espaço no Brasil”, reflete Pamella que nunca se sentiu menosprezada por praticar um esporte de predominância masculina, “as pessoas ficam curiosas e espantadas em saber que uma mulher está jogando golfe, mas é sempre um espanto bom”.
Aumentar a participação feminina na modalidade é um dos grandes desafios que os projetos com foco em mulheres golfistas enfrentam. “A maior dificuldade que encontramos de acesso a este esporte está em campos que disponibilizam horários para golfistas iniciantes. Sair para jogar em campo oficial é o que muda a experiência de vida de cada participante pois é neste momento que o golfe entra no estilo de vida de nossas alunas”, ressalta Patrícia. Mantê-las unidas em um campo de golfe e ao mesmo tempo gerar oportunidades a elas dentro do esporte também é desafiador. “O Instituto Chaves em Parceria com a FPGolfe organiza torneios para iniciantes, com regras modificadas adequadas ao nível de jogo delas. Conforme evoluem na prática e no entendimento de regras e etiquetas da modalidade, outros torneios se tornam acessíveis”, complementa a capitã.
O que inicialmente era uma distração, se tornou um estilo de vida para Pamella, que através do golfe encontrou uma ferramenta de terapia e de descompressão da vida. “Eu deixo para lá a Pamella mãe, a Pamella empresária, a Pamella que possui afazeres domésticos. É o meu momento como pessoa, onde tiro um tempo para mim mesma”, finaliza ela que vê o futuro do golfe nas próprias filhas, de sete e nove anos, que começaram a praticar o esporte vendo o quão bem ele faz à mãe.
O golfe segue sendo um esporte majoritariamente praticado por homens, mas iniciativas através de projetos que oferecem a mulheres oportunidades dentro da modalidade, e a constante luta por direitos iguais são fundamentais para levar as mulheres golfistas ao lugar que merecem: o reconhecimento.
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