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A pandemia que não acaba: violência contra a mulher

Por Morgana Schneck Atualizado em 27 de novembro de 2020



Uma busca breve no Google sobre violência contra a mulher e feminicídio aponta dados alarmantes. Nas ruas, em casa, a caminho do trabalho. Cenários inesperados, motivos vazios. A mulher representa mais da metade de habitantes brasileiros e sofre na pele por carregar consigo o que significa ser mulher. Em sua proteção, existe a Lei Maria da Penha que entrou em vigor através da Lei Federal nº 11.340 de agosto de 2006. Seu objetivo principal é o de criar mecanismos de proteção e defesa para coibir o problema de violência que a mulher enfrenta todos os dias. A Lei possui especificações sobre as diferentes formas de violência (física, sexual, patrimonial, moral e psicológica). Leis como essa são eficazes? Por que os números de violência contra a mulher aumentam a cada ano? Como se combate este cenário?


Fotos: Karolina Grabowska



É registrado aumento no número de feminicídios e mortes violentas no Brasil

Um levantamento realizado mensalmente pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta um aumento de 2% nas mortes de mulheres em relação ao mesmo período em 2019. Os números disponíveis no Anuário Brasileiro de Segurança Pública, marcam 1890 mortes violentas de mulheres nesse período. Um número alto (631 casos) é considerado crime de ódio pela condição de gênero, ou seja, feminicídio. No Rio Grande do Sul, houve um aumento de 24,4% no número de mortes por essa causa.

Para os responsáveis pela realização das pesquisas, a pandemia do Covid-19 é a grande responsável por esse aumento de fatalidades registrado, já que a mulher não somente vive, como pode estar presa em casa com o seu próprio agressor.



Uma mulher é morta a cada nove horas durante a pandemia no Brasil

Desde o início da pandemia no Brasil, em março, foi registrada uma média de três mortes por dia. Em São Paulo, conforme dados da Folha de São Paulo, o número de mulheres assassinadas dentro de casa quase dobrou durante os dias de quarentena em comparação ao mesmo período do ano passado. Um documento elaborado pela Organização das Nações Unidas - ONU Mulheres registra a preocupação a respeito das consequências que o isolamento social traz para o aumento da violência contra a mulher. Segundo a publicação, a combinação de aumento do estresse social e medidas de circulação e isolamento contribui para o agravamento do cenário, porque, em muitos casos, a mulher está presa em casa, com o seu agressor.

Dados coletados pelo Podcast Café da Manhã, da Folha de São Paulo alertam sobre o aumento da violência contra a mulher no mundo inteiro. Na França, as denúncias de violência doméstica tiveram um crescimento de 30% desde o início do isolamento social. Na Argentina, ligações de emergência sobre casos de feminicídio aumentaram 25%. Em um condado chinês, país considerado o epicentro inicial da pandemia, a violência doméstica teve seu número triplicado. Na Espanha, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e Brasil, agressões e pedidos por abrigo também foram registrados.


Poemas: Rafaela Dilly Kich



A violência contra a mulher é um problema de saúde pública que atinge diferentes classes, níveis de formação cultural, educacional, religioso e profissional

A violência doméstica ocorre de maneira similar na maior parte dos casos e, segundo a neuropsicóloga Priscila da Silva, é uma situação que se agrava com a convivência forçada pelo isolamento. “Mulheres em situação de violência doméstica, física e intelectual, apresentou um aumento visível durante os tempos de pandemia, pois, por conta do isolamento social, passa-se mais tempo em casa, onde também vive o agressor, o que dificulta a procura por ajuda externa”, explica.

O cenário de violência doméstica é o seguinte: as agressões iniciam por conta de pequenas irritações pelas quais o homem passa diariamente. Ele desconta suas frustrações, não necessariamente de maneira física na mulher, e depois, passa a pedir desculpas e dizer que se arrepende do comportamento que teve. Porém, o cenário se repete e a mulher fica presa nesse ciclo vicioso e abusivo. Para Priscila, o fato do agressor possuir uma face conhecida dificulta a saída dessa situação. “Muita vezes essa mulher tem filhos, não trabalha e acaba dependendo financeiramente de seu companheiro e agressor”, explica.


A ideia de que nossa casa é um lugar seguro não é realidade para todas as mulheres. É o que conta a história de Bárbara Hoelscher, uma jovem de 29 anos que, quatro anos após ter 47% do seu corpo queimado por seu parceiro, ainda sofre com as consequências.



Fotos: Kat Jayne



“Ele era o homem que eu sempre quis”

A história de Bárbara é uma entre tantas que ocorrem todos os dias: um relacionamento aparentemente saudável, que acaba em violência psicológica, agressão física ou até mesmo, feminicídio. “Inicialmente meu namoro com ele era ótimo. Como sempre disse, ele era o homem que sempre quis”, conta. “Porém aos poucos ele foi se mostrando diferente e abusivo. As agressões começaram com palavras e depois passaram a ser físicas, através de chutes, tapas e socos”. Ela conta que após os surtos agressivos do parceiro, tudo voltava ao normal em sua relação. “Ele voltava a ser carinhoso e tudo ficava bem”, relata.

No dia 10 de novembro de 2016, as agressões se transformaram em tentativa de feminicídio, quando o ex-parceiro de Bárbara colocou fogo em seu corpo. “Lembro que era uma quinta-feira, estávamos discutindo sobre algo, quando ele mandou que eu calasse a boca. Não obedeci e foi nesse momento que as agressões se tornaram novamente físicas”, conta. Emocionada, Bárbara relata que ele pegou produtos químicos que foram jogados em seu corpo e rosto, e em seguida, após acender um fósforo, seu corpo estava queimando. Bárbara lutou contra a dor, pediu ajuda e foi levada ao hospital, onde permaneceu internada por 73 dias. “Foram os piores momentos da minha vida. Senti muita dor em todos os procedimentos realizados no hospital e com os tratamentos realizados após”, explica.


Hoje, quatro anos após, Bárbara ainda encara as consequências da violência que sofreu. “Minha vida gira em torno dessa situação. Não posso usar roupas curtas por conta da sensibilidade da pele, faço diversos tratamentos para aliviar as dores e as marcas desaparecerem”, conta. “É uma situação que vou sempre carregar comigo, pois as cicatrizes não são somente no corpo”.


Fotos: Oleg Magni



Ninguém solta a mão de ninguém: a realidade muda com a construção de uma rede de apoio

Diversos são os exemplos que expõem um sistema defasado e quebrado, quando se trata do apoio e auxílio a mulheres em situação de violência doméstica. Com o objetivo de combater a realidade, a neuropsicóloga Priscila da Silva, juntamente com uma colega da área de enfermagem, criou o Projeto Sempre Bela, na cidade de Ivoti, cujo objetivo principal foca no empoderamento das mulheres frente às dificuldades e situações enfrentadas diariamente dentro de um relacionamento de abusos físicos e psicológicos.

Para Priscila, o seu trabalho realizado em um contexto SUS abriu seus olhos para a situação de mulheres em busca de uma rede de apoio para transformar a sua realidade. “O projeto serve como uma rede de apoio para que as mulheres consigam sair desse relacionamento tóxico, para que retomem o controle de suas vidas e sintam-se livres e capazes de buscar suas próprias realizações”, conta. Segundo a profissional o projeto lida com o emocional, exigindo um trabalho delicado, empático e de responsabilidade afetiva. “As mulheres contam com a nossa ajuda e encontram em nós, a segurança que precisavam para se livrar daquela realidade”, finaliza.

O trabalho do Projeto Sempre Bela funciona como uma assessoria para que as mulheres consigam se retirar de suas casas, onde vivem com seu agressor, procurar um abrigo e depois disso, reinserir-se na sociedade. “Para que isso aconteça, a mulher precisa de autoconfiança, autoestima e segurança”, complementa Priscila. Dentro deste contexto, o Projeto também conta com voluntários da área da saúde, bem-estar e estética para oferecer serviços, como: cabeleireiros, massoterapeutas, manicure e pedicure, representantes de maquiagens, entre outros.

Para a idealizadora do Projeto, o caminho a ser traçado ainda é longo e as políticas públicas em defesa da mulher no país são caóticas. “Por conta disso, enxergo a importância do trabalho realizado com o Sempre Bela. Esta assistência busca garantir a felicidade e liberdade da mulher, que são direitos fundamentais para o ser humano”, finaliza.

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