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A luta por acessibilidade e o preconceito sobre a necessidade especial

Por Mariana Giacomet Atualizado em 27 de novembro de 2020



No Brasil, o número de pessoas que declararam ter pelo menos um tipo de deficiência, seja visual, auditiva, motora ou intelectual, totalizou 45,6 milhões em 2010 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A PNS, Pesquisa Nacioal da Saúde, estimou 200,6 milhões de pessoas residentes em domicílios particulares permanentes no ano de 2013. Desse total, 6,2% possuía pelo menos uma das quatro deficiências citadas anteriormente.

Fotos: Alexandre Saraiva

Ações contra o preconceito

Pessoas com mobilidade limitada enfrentam vários obstáculos na vida social todos os dias. Isso mostra quantas cidades não estão preparadas para atender as necessidades dessas pessoas. Em muitos casos, tomar medidas simples como usar o transporte público é um desafio para os cadeirantes. A altura das escadas, a falta de espaço reservado e até a falta de paciência e respeito das pessoas são obstáculos enfrentados cotidianamente.

Além da falta de acessibilidade física, como rampas e elevadores, a falta de uma cultura mais inclusiva também aumenta o preconceito contra os deficientes e os coloca em uma posição desconfortável. O caos urbano intensifica o preconceito das pessoas e não contribui em nada para ajudar em possíveis melhorias, a não ser dificultar a coexistência social e profissional de pessoas com mobilidade limitada.

Durante séculos, mesmo em países desenvolvidos, a deficiência foi considerada uma fonte de degradação e estigma. No ano de 1913, o Reino Unido aprovou uma lei chamada Mental Disability Act, que autorizava pessoas com problemas mentais a serem mantidas em instituições. A lei aceitou mais de 40.000 pessoas.

Até a década de 1970, a deficiência era considerada um transtorno físico ou mental na Europa e nos Estados Unidos. Essa visão é atualmente chamada de “modelo médico”, o que significa que, por exemplo, se uma pessoa é surda, sua deficiência é surda.

Em 1975, o Movimento Britânico contra o Apartheid (UPIAS) questionou o modelo médico através de um movimento que visa mudar a percepção da deficiência na sociedade britânica. UPIAS avança a diferença entre os dois termos impairment e disability, entendendo que o primeiro é a falta ou falência de membros, órgãos ou mecanismos do corpo humano, e a segunda é a restrição à atividade das organizações contemporâneas, excluindo as pessoas com problemas mentais da vida social.

A médica neuropediatra Michele Sampedro Ramos conta como é conversar com famílias sobre uma situação de anormalidade na saúde de alguém tão esperado, como um filho. ''Nunca é fácil. Sabemos que quando uma família aguarda a chegada de um bebê, sempre se deseja que venha com saúde e assim por todos os anos de sua vida. Falar para os pais que seu filho tem uma doença é difícil, muitas vezes acaba sendo mais difícil que realizar o diagnóstico''. Michele também comenta que dificulta quando falamos de doenças crônicas ou progressivas, que acompanharão a criança por longos anos ou até mesmo levá-la a morte. Apesar da experiência, cada família é única e a notícia sempre acaba sendo dada de forma diferente e, conforme a reação, a conversa também é diferente. Em alguns casos, são necessárias várias consultas para que se consiga tirar todas as dúvidas ou explicar o diagnóstico.



Sheila Maurer, é mãe do menino Vicente que tem microcefalia e paralisia cerebral. A paralisia cerebral é um conjunto de desordens permanentes que afetam o movimento e postura. Os sintomas ocorrem devido a um distúrbio que acontece durante o desenvolvimento do cérebro, geralmente antes do nascimento. As causas de paralisia cerebral incluem danos cerebrais que podem ser provocados por falta de oxigênio ou de infecções e má formação cerebral. Segundo estatisticas do Ministério da Saúde uma em cada quatro crianças com PC não consegue falar; uma em cada quatro não pode andar; uma em cada duas tem deficiência intelectual; Uma em cada quatro tem epilepsia, já o número exato de casos no Brasil não é fornecido pelo Ministério da Saúde. De acordo com a Associação Brasileira de Paralisia Cerebral, 17 milhões de pessoas em todo o mundo que vivem com paralisia cerebral. A microcefalia é um raro distúrbio neurológico no qual o cérebro da criança não se desenvolve completamente. Com isso, o tamanho da cabeça é menor do que o esperado. A microcefalia pode estar presente no nascimento ou pode ser adquirida nos primeiros anos de vida. A gravidade da condição pode variar de uma criança para outra e é mais frequente no sexo masculino.

Tainara Klein, mãe da Martina, que tem Síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21. A síndrome é uma alteração genética causada por um erro na divisão celular durante a divisão do embrião. Dentro de cada célula do nosso corpo, estão os cromossomos, responsáveis pela cor dos olhos, altura, sexo e também por todo o funcionamento de cada órgão do corpo interno, como o coração, estômago, cérebro. Cada uma das células possui 46 cromossomos, que são iguais, dois a dois, então, existem 23 pares ou duplas de cromossomos dentro de cada célula, os portadores da síndrome, em vez de dois cromossomos no par 21, possuem três. As crianças com síndrome apresentam atraso do desenvolvimento físico e mental, cabeça e face com traços específicos e normalmente baixa estatura. Estima-se que no Brasil ocorra 1 em cada 700 nascimentos, o que totaliza em torno de 270 mil pessoas com Síndrome de Down, informações do Ministério da Saúde.




As mães relatam o dia a dia e o preconceito vivido pela sociedade:

A DIFICULDADE DE INCLUSÃO NA SOCIEDADE

As mães contam é inserir alguém com circunstâncias especiais em um mundo dito normal. Sheila, mãe de Vicente, comenta que não é fácil. ''Sinceramente, conseguir inserir é algo que não sei se existe. Se fala muito na inserção mas na prática tudo é muito diferente. É muito fácil falar que existe inclusão, que a inclusão deve ser feita, mas quando você tenta incluir você se depara com coisas básicas que devem existir para a inclusão acontecer, mas elas não existem.'' Ela fala coisas que dificultam no dia a dia, como por exemplo uma loja que não possui rampa ou uma porta que a cadeira de rodas não passa. Já para Taiara, a inserção já se dá da maneira com que os filhos são tratados: ''Não trato a Martina como especial. Sei das suas limitações, mas a trato como uma criança normal.'' Administrado pelos pais, a Martina possui uma conta do Instagram de usuário @martinakm_t21, onde Thaiara conta que não se deu conta que estava inserindo a filha na sociedade de uma forma super natural. Michele relata as maiores dificuldades que seus pacientes enfrentam na sociedade, onde acredita que ainda existe muito preconceito e que as pessoas não conseguem disfarçar quando veem alguém com necessidades especiais. ''Ficam olhando ou criticando os benefícios, que são de direito dessas pessoas. Por exemplo, em lugares como aeroportos, supermercados, bancos, que dão prioridade para essas pessoas, quem não tem o mesmo benefício se sente prejudicado.'' A médica ainda lembra que as ruas não estão adaptadas para cadeirantes, que são poucas calçadas e parques que têm rampas e os banheiros públicos normalmente não tem adaptação.




PRECONCEITOS VIVIDOS

A mãe do Vicente relata quais preconceitos já viveram com o filho: ''Todos os tipos. O principal deles são aqueles olhos que enxergam como algo 'anormal'.'' Ela conta que os olhares de preconceito para Vicente agem ''como se ele tivesse uma doença contagiosa. Ou aquele olhar de pena. Como se seu filho não fosse normal. Isso acontece sempre. No supermercado. Em uma clínica médica. No shopping. Em meio à família e amigos.'' Para Thainara, o preconceito com a Martina surgiu logo no início. ''Nos deparamos com várias situações de preconceito. Algumas pessoas que se afastaram, ou diziam coisas sem pensar'', mas com o tempo foram aprendendo a se blindar de situações como essa.


O ambiente escolar é importante para o aprendizado, para mostrar que apesar das dificuldades que possam existir nada é impossível. Thaiara conta que Martina amava ir para a escola, ''Ela frequentou uma escolinha regular antes da pandemia. Nesta escolinha, as professoras eram sensacionais. Incluíam ela em todas as atividades, tratando ela como uma criança típica. E como ela necessita de estímulos maiores, redobraram a atenção.'' Ela conta que o convívio com outras crianças auxiliou demais no desenvolvimento dela e que foi incrível o salto que teve durante o período da escolinha. Martina teve que parar de ir para escola por conta da pandemia ''infelizmente a Martina perdeu muito com a pandemia, sendo impedida de estar com outras crianças. É visível a diferença no desenvolvimento, agora que está só em casa.''.


O Vicente teve poucos momentos no ambiente escolar. Estava apenas iniciando a adaptação e logo veio a pandemia. Sheila diz que da mesma forma que nos outros lugares, o ambiente escolar precisa ser totalmente adaptado. ''Ambiente físico deve ser adaptado. Deve-se ter professoras preparadas para o ensino inclusivo. As professoras devem ensinar aos colegas sobre inclusão.'' O ambiente escolar faz parte da inclusão que tanto a família quer, mas de uma forma que não sejam diferenciados pelas suas “diferenças”.




AS MAIORES DIFICULDADES


As mães contam qual a maior dificuldade que pessoas com necessidades especiais enfrentam na sociedade, as duas destacam a questão do preconceito que existe na sociedade. Para mãe de Martina ainda existe muito preconceito, mas antigamente já foi muito pior, "com certeza a maior dificuldade ainda é o preconceito."

Para a mãe do Vicente a maior dificuldade é poder oferecer um tratamento de qualidade. Na maioria das vezes o custo para se oferecer qualidade de vida e possibilidade de desenvolvimento é muito alto. A maioria das famílias não possuem condições financeiras de oferecer o melhor, como qualquer mãe quer oferecer o melhor para seu filho independente da condição. ''Quando eu engravidei me preocupei em fazer um convênio médico, pois queria ter a certeza que teria um melhor atendimento e garantiria o melhor para meu filho caso precisasse. Mas mal sabia eu que o pior não era isso. Mas estava por vim aos longos dos meses após o nascimento do Vi.'' Sheila ainda comenta sobre empatia ''O mundo precisa de mais empatia. Nossos filhos são pessoas, são humanos como nós. E assim como qualquer pessoa possuem o direito da vida. E o direito de uma vida com qualidade.''

Em muitos países em desenvolvimento, deficiências são encaradas como algo vergonhoso, como uma maldição ou até mesmo uma punição de Deus. É comum pessoas esconderem familiares com deficiência em casa, impedindo-os de ter uma vida em sociedade.

Estas noções geram uma série de problemas. O primeiro é o impacto do preconceito na formação da personalidade de pessoas com deficiência. A vergonha da família acaba gerando um processo dialético, no qual a ideia de incapacidade (ou maldição) é internalizada pela pessoa.


Tendo ouvido durante toda sua vida que são incapazes e um fardo aos familiares próximos, indivíduos com deficiência no qual a ideia de incapacidade, resultando em que eles acabam com o sentimento de inferioridade e, consequentemente, estão mais suscetíveis a problemas de baixa autoestima.


O pior preconceito vem da própria família, que considera uma vergonha ter um parente com deficiência. A personalidade das crianças com deficiência, que contam com familiar adultos para quase tudo em seu cotidiano, é significativamente influenciada pelo preconceito.

As crianças em seus primeiros anos de vida são altamente influenciadas pelo ambiente familiar, elas em geral desenvolvem baixa autoestima e questionam suas capacidades. Ademais, o preconceito contribui para que estas crianças não frequentam escolas, não recebam tratamento médico adequado, o que muitas vezes acaba piorando seu quadro médico e gera um ciclo vicioso entre vergonha, sentimento de inferioridade e exclusão social.



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