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As diversas vozes do movimento antirracista no Brasil

Por Eduarda Müller Spanevello Atualizado em 24 de novembro de 2020


Inúmeras coisas podem acontecer em apenas 23 minutos. É possível ler mais de 20 mil palavras, enviar 9200 horas de vídeos para o YouTube ou até perder 260 calorias nesse espaço de tempo. Em menos de meia hora, você terá lido toda essa reportagem e poderá realizar outras atividades do seu dia a dia. Já no Brasil, segundo dados coletados pela ONU na campanha “Vidas Negras” de 2017, a cada 23 minutos uma pessoa negra é brutalmente assassinada. O racismo está enraizado na sociedade há muito mais tempo do que é possível imaginar. Mesmo depois de mais de um século da abolição da escravatura no Brasil, em 13 de maio de 1888, ainda é comum sermos vítimas, praticantes ou caladas testemunhas de atos racistas.


A Lei Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, registra que o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Tal ato, segundo a lei, é inafiançável e imprescritível. Porém, a prática se apresenta muito diferente da teoria.


Fotos: Andiara Heisler

Neste ano de pandemia, pudemos acompanhar a partir das mídias digitais as discussões explícitas sobre as feridas que o racismo provoca. O mundo entrou em choque naquele 25 de maio, quando George Floyd foi brutalmente assassinado por um policial branco, após comprar cigarros com uma nota falsa de $20,00. Floyd, que era negro, foi sufocado pelo policial durante 8 minutos e 46 segundos. Suas últimas palavras foram "eu não consigo respirar". Assim, ao perceber a revolta mundial, o surgimento de hashtags e a força do movimento Black Lives Matter - Vidas Negras Importam - por um fato que ocorre todos os dias, a branquitude começou a abrir os olhos para uma realidade que nunca foi e nunca será dela.


Ninguém nunca precisou ensinar uma pessoa branca a se portar de um jeito específico perto da polícia. Não tocam no cabelo por ser diferente, nem apelidam de "macaco", "mulata" ou "pixaim". As peles claras são cercadas de privilégios, e por isso, trazemos através dessa reportagem histórias de pessoas que não tiveram a mesma oportunidade.


Michelle Brito Cunha, de 18 anos, é enxadrista, acadêmica de sistemas de informação e não possui nenhum dos privilégios citados anteriormente. Ativista na causa racial, Michelle explica que não se aproximou tanto do movimento Black Lives Matter após a morte de Floyd por um motivo simples: essas dores já a acompanham todos os dias. Segundo a jovem, "a galera só se alia quando o movimento vem de fora, mas aqui no Brasil as vidas negras também importam. Eu simplesmente não consegui manter esse diálogo com a quantidade de pessoas que começaram a se autodeclarar antirracistas, quando na realidade a gente sabe que não são", diz.


O movimento que tomou conta das redes sociais, subiu hashtags e fez com que muitas pessoas se dissessem antirracistas surgiu muito antes do assassinato de George Floyd. A organização Black Lives Matter, também conhecida como BLM, foi fundada em 2013 por Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi. O manifesto do movimento enfatiza: “trabalhamos vigorosamente pela liberdade e pela justiça para o povo negro e, por extensão a todos os povos”.



Para Maria Eduarda Santos, letrista e co-fundadora do portal Mulheridades, o Black Lives Matter é importante, mas um tanto cansativo. Ela destaca: "o que eu sinto logo quando penso nisso é uma tristeza enorme por precisar dizer que vidas negras importam". Ao longo da conversa, Maria enfatiza que a exposição do movimento é muito boa, mas existem diversos efeitos colaterais negativos. "Imagine viver numa estrutura racista a tal ponto que é necessário que um movimento de pessoas, em sua maioria negras, se levanta dizendo 'deixem-nos viver'?", conclui.


Após aquele fatídico 25 de maio, o movimento antirracista brasileiro gritou justiça por George Floyd, Marielle Franco, João Pedro Matos Pinto, Maria Alice e diversos outros jovens negros mortos injustamente. Muitos veículos apontaram que "os negros finalmente abriram os olhos" ou que "devemos dar voz à negritude", quando a realidade, segundo Michelle Brito, é muito diferente. "Quem fala sobre isso é a comunidade preta", diz Michelle, "e uma vez que a gente está dentro uma estrutura de poder que nos silencia, é como se a gente não falasse".


Nos Estados Unidos, local do estopim para o Black Lives Matter, foram pelo menos 7.750 manifestações em prol das vidas negras. Jason Richard Evans, estadunidense de 23 anos, explica que nunca experienciou diretamente nenhuma forma de racismo, mas o vê como um problema permanente nos Estados Unidos e no mundo. Ele comenta: "Floyd não foi o primeiro afro-americano morto por policiais com o uso da força excessiva. O que me enoja é que uma vez que esses eventos atingem a mídia, o que se segue são informações que caluniam ou degradam o ser humano que foi assassinado".


O passado de Floyd esteve na mídia em diversos momentos após a sua morte. Diversos jornais comentaram sobre sua prisão, seu envolvimento com drogas e questionaram a sua autópsia, alegando que não havia nenhum achado físico que suportava o diagnóstico de asfixia traumática. Jason conclui: "a brutalidade policial contra o negro está há tempos na história americana".

Porém, a violência racista não se apresenta somente de forma física. Segundo o psicólogo Nelson Gentil, focado em psicologia preta, todas as questões que atende no set clínico são raciais, como injúrias no período escolar e racismo disfarçado de piadas no trabalho. "Um ato de injúria racial traz a tona todas essas marcas que sofremos desde o nascimento. Não é um ato isolado, mas sim uma construção social que se personifica no ato verbalizado e traz danos como depressão, baixa-autoestima e questões com a autoimagem", diz.

Segundo Gentil, o racismo deve ser combatido com conhecimento. Ele relata: "o racismo deve ser enfrentado a partir da organização de pessoas pretas que conhecem do seu passado, para se perceberem no presente e projetarem um futuro diferente e potente".

A luta deste povo é constante, dolorosa e diária. Enquanto a negritude está há séculos batalhando por direitos básicos, há diversas pessoas brancas e privilegiadas que não conseguiram abrir mão de suas regalias nem naqueles intermináveis 8 minutos e 46 segundos. O racismo mata tanto quanto o egoísmo e por isso, caro leitor, todas as vidas só serão valorizadas quando as vidas negras também importarem.


 

NÃO DEIXE DE CONFERIR

veja o ensaio fotográfico da Andiara, autora das

fotos desta reportagem, na íntegra:


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