Por Julia Bervanger
Atualizado em 05 de abril
Completando um ano de pandemia da COVID-19, que foram muito provavelmente os 365 dias mais atípicos da última década, listar ao menos três coisas que não sofreram mudanças é uma tarefa quase impossível. Por outro lado, se fossem enumeradas as que sofreram algum tipo de mudança, as que estariam ocupando as primeiras colocações com certeza seriam as atividades que envolviam aglomerações, como eventos culturais, em sua maioria shows, festivais, e festividades em geral. E como qualquer outro ramo que sofreu com as consequências econômicas, o mundo da música, que é um dos que vem nos entretendo em tempos de isolamento, passou por muitas modificações.
Shows cancelados, festivais adiados, agendas completamente alteradas, adaptações para lives e shows no estilo Drive-In. Quem sofre mais com isso, além dos espectadores, com certeza são os artistas musicais. Diferentemente de quem optou pelo home office ou quem que já voltou ao trabalho presencial, cantores e DJs ainda não retornaram ao mundo dos palcos, e nem sequer há previsão de quando retornarão.
Baseado nesse novo cenário de mudanças, o baterista do Oficial BR, Elias Frenzel, e o Trance Producer, Reverence, contaram como foi, e está sendo, ser um artista musical em tempos de pandemia, quando não se pode trabalhar da forma que mais gosta: nos palcos.
Frenzel, baterista do Oficial BR, maior Tributo Charlie Brown Jr. do Brasil, lembra que logo no início da pandemia, não havia perspectiva do impacto da pandemia na programação de shows. “Como qualquer pessoa, a gente não tinha real noção de como de fato seria, as proporções que seriam, mas sabia que isso iria acontecer. Havia sinais de que isso poderia acontecer, e de certa forma se sabia, então isso ajudou a me preparar um pouquinho, não foi exatamente um susto, não me pegou tanto de surpresa, já esperava algo parecido. Logo em seguida, cancelaram todos os shows que tinha”, comenta o músico.
Pouco menos de um mês após o fechamento de bares, casas de shows e outros lugares do mesmo segmento, bandas locais como o Oficial BR não puderam ficar parados. Muitos artistas optaram pela readequação do modelo físico para o virtual, nos formatos das famosas lives, que marcaram bastante o primeiro semestre de 2020 para quem cumpriu o isolamento. “Achei de certa maneira uma opção considerável, porque fiz algumas lives com o grupo, com a Oficial BR, que é a banda que eu toco atualmente.” E em meados de junho, no início do segundo semestre do ano, começaram os shows no estilo Drive-In, onde o público fica dentro do carro, e os artistas se apresentam normalmente no palco. “Recebemos convite para fazer um show em Drive-In, em Bento Gonçalves, mas pela situação que ainda estava, e o vocalista tinha algum parente próximo de grupo de risco, a gente acabou optando por não fazer, mas acho sim também considerável, pois gostamos de tocar. Acho que sempre vale a pena por ser um show, é diferente de um show normal, estrutura, mas mesmo assim acho que é válido", conta Elias.
Já para o DJ Reverence, que normalmente toca em festivais de música eletrônica no estilo rave, junto de outros artistas do mesmo gênero, as lives são um pouco diferentes. “Eu entrei na onda, não fiz isso logo, fui vendo como artistas faziam, os que entendem mais disso, e aí eu preparei uma live minha, gravei umas três apresentações diferentes, e então eu mandava esses vídeos para quem organizava os eventos, para quem me chamava para fazer parte das lives, aí eles faziam a live como se eu tivesse fazendo ao vivo. Achei bem massa, deu uma movimentada, mas agora já caiu na mesmice, não é mais como no início."
Pesquisa feita pela UBC com a ESPM, em novembro do ano passado, aponta que 86% dos profissionais da música passaram a ganhar menos com a pandemia, e tiveram perdas em relação a sua renda. Os entrevistados confirmaram esse fato, mas mostraram que, de fato, apesar de toda essa situação nada favorável, ainda é possível encontrar alternativas. “O que eu pensei, comecei a me perguntar de onde eu poderia tirar dinheiro pra viver, aí eu vi que eu tinha grana para tirar das gravadoras, não era muita coisa, mas ainda assim tinha, daí eu pensei, as gravadoras ficam com metade dos royalties que entram, então se eu tivesse a minha própria gravadora, ia ganhar 100%. Então o que eu fiz? Abri a minha gravadora, no final do ano passado. Dei uma estudada de como funciona a distribuição digital e tudo mais, e aí já estou colocando as minhas músicas pela minha própria gravadora, então quando vir os royalties, virão 100% para mim, e vou ganhar bem mais. Montei um plano para o ano inteiro de lançamentos, também vou lançar músicas de parceiros, colocar uma porcentagem em cima, que nem todas as gravadoras fazem, então já é mais uma forma de movimentar, e fazer um dinheiro extra, que é o que tem para agora”, destaca o DJ sobre o novo negócio que abriu recentemente, em dezembro de 2020, no ramo da música.
Enquanto isso, para Elias, outras áreas começaram a ser exploradas. “Inevitavelmente a gente tem que se readaptar, estou com possibilidades, ideias, algumas coisas em relação a marketing digital, algumas possibilidades até fora da área musical, que tem que ser levado em consideração, tendo em vista que não se sabe quando vai voltar, e como vai voltar esse cenário musical”, explica o baterista, sobre os novos caminhos que está seguindo.
Com o tempo passando e nada de previsão para a volta de eventos que necessitam de público, muitos artistas foram se voltando para o mundo virtual, mais presentes nas redes sociais, projetos diferentes. Já outros, como Reverence, que já produzia suas músicas e postava nos canais de streaming, não teve muitas mudanças no seu formato, apenas deixou de participar de eventos. “Na verdade, não foi muito difícil, não tive que fazer nada, porque eu tocava nos eventos, e só passei a fazer as lives, e as lives não é uma fonte de renda, isso que é diferente. E como eu já estava no meio digital, não foi complicado”, explica o DJ.
Para Elias a experiência foi diferente. “Existia certo revezamento entre o virtual e o físico, sempre teve alguma atividade virtual paralelamente com a física, agora é só virtual. Mas confesso que nos últimos meses me afastei um pouco das redes sociais e desse contato virtual, não tendo show e cada um da banda na sua respectiva função foi também tomando seus caminhos e foi tomando rumos paralelos para sobreviver, então a banda deu uma parada.”
Uma das incertezas é quanto ao formato e os protocolos em geral quando os eventos culturais voltarem. “Não só veremos coisas diferentes, como já está diferente, acho que alguns protocolos de shows vão mudar, talvez até voltar a uma condição normal demore muito. Mas espero que volte o mais próximo do normal como era, com pessoas juntas, pulando, gritando, aglomerando. Acho que surgirão coisas novas”, conclui Elias. E para Reverence, que atua em eventos maiores, também mudará: “Imagino que quando voltarem os eventos os organizadores vão dar um destaque para os artistas nacionais, por ser mais acessível, não tão caro, aqui sempre valorizavam os gringos, os de fora, e agora acho que isso vai mudar um pouco. Acredito que os tamanhos dos eventos vão mudar um pouco, como eventos menores, e bastante diversidade também.”
Comments